Uma política vendida como técnica, mas que se revela um esquema de transferência silenciosa de renda — dos mais pobres para os mais ricos.
O Banco Central sobe os juros. A mídia aplaude. O mercado vibra. E o povo paga a conta. É esse o ciclo silencioso, naturalizado, disfarçado de “responsabilidade fiscal”, que estrutura um dos mecanismos mais perversos e sutis de concentração de renda no Brasil: a política de juros altos.
Somos levados a crer que manter os juros nas alturas é uma medida técnica e neutra, um instrumento necessário para “combater a inflação”. Mas a quem serve essa doutrina? E quem, de fato, lucra com isso? A resposta está nas engrenagens do rentismo — o sistema que transforma a própria crise em oportunidade de acumulação para poucos.
Quando o Banco Central decide aumentar a taxa Selic, os impactos são diretos e imediatos. O crédito encarece. O consumo cai. O investimento produtivo é desestimulado. O pequeno empreendedor sufoca. As famílias endividadas quebram. Mas, do outro lado do balcão, há um setor que prospera: o financeiro. Para bancos, fundos de investimento e grandes especuladores, quanto maior a Selic, maior o lucro — não por gerar riqueza real, mas por capturar rendimentos garantidos pelo Estado. ” A especulação se sobrepõe ao trabalho. A renda passiva se impõe sobre a economia real.
É um sistema perverso, onde o “remédio” vira veneno. E pior: um veneno prescrito com cinismo. Dizem que os juros altos são para conter a inflação. Mas silenciam sobre o fato de que essa inflação é, muitas vezes, impulsionada por práticas empresariais predatórias, como o aumento artificial de preços, o cartel de setores estratégicos e a dolarização interna do consumo. Nenhuma dessas causas é atacada. O único alvo é o bolso da população.
E não se trata de erro. Trata-se de um projeto. Um país que opera sob juros altos constantes é um país feito para o investidor rentista, não para o trabalhador. Enquanto a economia real sangra, o topo da pirâmide engorda. Os lucros dos bancos não caem. As fortunas em fundos e aplicações de renda fixa se multiplicam. E toda tentativa de questionar esse modelo é tratada como “populismo” ou “irresponsabilidade fiscal”.
Mas sejamos claros: há uma indústria da miséria travestida de ortodoxia econômica. Cada ponto percentual a mais na Selic representa quase uma centena de bilhão transferidos dos cofres públicos — que poderiam ir para saúde, educação, infraestrutura — diretamente para o caixa de instituições financeiras. É um Robin Hood ao contrário: tira-se da base para alimentar o topo, com chancela técnica e verniz de estabilidade.
Juros altos não são neutros. São uma escolha política. E como toda escolha política, revelam lados. Revelam prioridades. Revelam quem manda — e quem obedece. No Brasil, essa escolha tem nome, endereço e grupo de interesse: o rentismo organizado, blindado por uma tecnocracia cúmplice e sustentado por uma lógica de sacrifício eterno da maioria.
Enquanto aceitarmos que o “combate à inflação” seja feito com cortes sociais e desemprego — e não com taxação de lucros abusivos ou regulação de preços injustos — continuaremos rodando a engrenagem que empobrece a base e alimenta os bilionários.
A pergunta que deveria ecoar é simples e incômoda: quem lucra com os juros altos? Bancos, fundos de investimento e detentores de grandes fortunas ganham com o sacrifício coletivo.
E a continuação inevitável dessa pergunta é ainda mais grave: por que esses mesmos setores, que lucram com a crise, nunca são chamados a contribuir com a solução?
A conta — em forma de desemprego, corte de serviços, endividamento e pobreza — fica sempre para os mesmos: os que vivem do trabalho, não do capital.