Durante décadas, os Estados Unidos comandaram o mundo com uma combinação de poder militar, domínio financeiro e propaganda ideológica. Eram o centro gravitacional da geopolítica global — quem não orbitasse em torno de Washington corria o risco de ser apagado do mapa, pela força das armas ou pela força das sanções. Mas os ventos da história mudaram. E agora, pela primeira vez desde o pós-guerra, o mundo começa a girar… sem os Estados Unidos no centro.
Essa mudança não é repentina. Ela vem sendo gestada há anos, acelerada por decisões desastrosas do próprio império e impulsionada pela emergência de novas potências que se recusam a viver sob a tutela americana. O que era impensável no início do século XXI — um mundo multipolar, com rotas comerciais, tecnológicas e financeiras independentes de Washington — hoje se tornou não apenas possível, mas inevitável.
Os Estados Unidos ainda são uma superpotência. Detêm o maior orçamento militar do planeta, as Big Techs mais influentes, o dólar como moeda de reserva global e uma máquina de propaganda hollywoodiana que molda mentalidades. Mas há uma diferença fundamental entre ser importante e ser indispensável. China, Índia, Rússia, Brasil, África do Sul, Irã, Arábia Saudita, Turquia, Indonésia — todas essas nações estão redesenhando suas relações comerciais, políticas e tecnológicas com base na lógica da autonomia estratégica. Não se trata de hostilidade gratuita contra os EUA, mas de uma constatação pragmática: depender de Washington é um risco.
Sanções unilaterais, sabotagem de acordos, espionagem digital e chantagens diplomáticas viraram ferramentas triviais na política externa americana. O recado foi claro: ou você segue nossa cartilha, ou será punido. A resposta dos países emergentes tem sido igualmente clara: não vamos mais aceitar esse jogo.
A ascensão dos BRICS e sua ampliação recente são os sinais mais evidentes desse novo ciclo. Combinando vastos recursos naturais, população, PIB por paridade e presença geopolítica, os BRICS já superam o G7 em relevância econômica real. E, mais importante, estão criando alternativas concretas à dominação americana: uma moeda comum para transações internacionais, evitando o dólar; sistemas próprios de pagamento interbancário, como o CIPS chinês ou o SPFS russo; bancos de desenvolvimento alternativos ao FMI e ao Banco Mundial; e cooperação energética, militar e tecnológica entre nações do Sul Global.
O Brasil, com o PIX, mostrou que é possível criar uma infraestrutura digital pública que funciona fora da lógica extorsiva das bandeiras Visa e Mastercard. A China mostrou que pode produzir e exportar tecnologia de ponta sem depender do Vale do Silício. A Índia caminha para ser o maior mercado digital independente do mundo. A Rússia sobreviveu a sanções inéditas. E a África do Sul mantém sua posição como elo continental entre potências. Se o mundo seguir esse caminho com consistência, os EUA terão de enfrentar algo inédito: a relevância decrescente em um planeta que já não precisa mais deles como mediador, financiador ou juiz.
Trump, Biden ou qualquer outro presidente pode tentar reconquistar espaço perdido. Mas o arsenal disponível já não tem o mesmo impacto. Sanções hoje são contornadas com criptomoedas, redes paralelas e apoio mútuo entre países sancionados. A força militar não tem mais a legitimidade de outrora — vide os desastres no Afeganistão, Iraque e Líbia. Se optarem por endurecer, os EUA correm o risco de acelerar sua própria derrocada. O mundo já viu esse filme: Roma tentou sufocar a rebelião dos povos à força e colapsou por dentro. A União Soviética resistiu ao mundo multipolar e implodiu sob o peso de sua rigidez. O Reino Unido tentou manter um império colonial no século XX e foi superado por sua própria ex-colônia americana. A história é implacável com os impérios que ignoram os sinais do tempo.
Caso os EUA insistam em isolar o mundo — ou sejam isolados por ele — o custo não será apenas geopolítico, mas doméstico. O dólar, hoje moeda de confiança global, poderá perder espaço como reserva internacional. Isso significa que os EUA não poderão mais emitir dívida pública livremente para sustentar seu padrão de vida. Terão de lidar com inflação, juros altos e possível recessão. A classe média americana, que vive à base de crédito barato, sofrerá. Os grandes bancos, acostumados ao privilégio de imprimir riqueza, perderão musculatura. E, acima de tudo, a crise de identidade de um povo que sempre acreditou ser o “farol da liberdade” poderá se tornar uma crise social sem precedentes. O império, como disse certa vez Gore Vidal, está nu — mas ainda não percebeu.
Não há uma conspiração internacional para arruinar os Estados Unidos. O que há é uma convergência de interesses entre nações que desejam algo simples: soberania, respeito e igualdade de condições. Se Washington continuar agindo como dono do mundo, será tratado como um intruso. Mas se aceitar seu lugar como mais uma nação entre outras, poderá ainda ser respeitado.
A história dá sempre duas opções ao império em declínio: a decadência violenta e isolada, ou a transição negociada e digna. A escolha será deles. Mas o resto do mundo — liderado pelos BRICS — já escolheu: não será mais satélite. O mundo começa a girar sem Washington.
O canalImpério360 é uma plataforma de conteúdo crítico e independente sobre política, economia, justiça e geopolítica. Presente no YouTube e no site oficial, o projeto busca informar e provocar reflexão, com responsabilidade editorial e compromisso com o interesse público.