Quando o Discurso Vira Atalho: A Superficialidade como Estratégia Política

Na política contemporânea, especialmente em tempos de redes sociais, o discurso deixou de ser uma ferramenta de comunicação para se transformar em um atalho. Não mais um meio de apresentar ideias, argumentos e projetos, mas um artifício para ocupar espaço, ganhar visibilidade e manipular sensações. O fenômeno é nítido: cada vez mais políticos evitam a profundidade, trocando o debate de ideias por bordões repetidos, frases de efeito e reações emocionais calculadas para viralizar. A superficialidade, que antes era uma deficiência, agora se tornou uma estratégia.

Basta observar o cenário. A linguagem da política foi reduzida ao vocabulário das redes. Frases curtas, agressivas, polarizadoras. Em vez de planos de governo, temos palavras de ordem. Em vez de diálogo, temos lacração. O político que reflete, hesita ou explica é visto como “fraco”, “difuso”, “pouco convincente”. Já o que ataca, rotula e dramatiza vira destaque, mesmo sem oferecer absolutamente nada além de performance. A lógica virou espetáculo: ganha quem grita mais alto, não quem pensa melhor. Quanto mais inflamado o tom, maior o alcance. E quanto mais simplista o discurso, mais facilmente ele se encaixa em manchetes, cortes de vídeo e memes compartilháveis.

Essa transformação não é acidental. É construída. A superficialidade serve para fugir da responsabilidade. Quem vive de bordões nunca precisa se comprometer com nada de concreto. Um exemplo clássico: ao dizer que vai “acabar com a corrupção”, o político acerta em cheio o desejo coletivo — mas não precisa apresentar nenhuma medida prática, nenhum dado, nenhum passo real. É uma promessa que nunca se cumpre, mas que sempre rende aplausos. O discurso vago protege o político de cobranças futuras, porque não há parâmetros claros para medir seu fracasso. A frase vale mais que a ação. E, nesse cenário, o fracasso político se torna invisível, porque nunca houve compromisso mensurável.

Outro efeito perverso dessa estratégia é o rebaixamento do eleitor à condição de audiência. O cidadão deixa de ser agente crítico e passa a ser espectador torcedor. O voto é guiado não por ideias, mas por sensações. Vota-se como quem escolhe um time: por afinidade emocional, por memes compartilhados, por frases que se encaixam em camisetas e hashtags. A política vira fandom, e o político vira celebridade. Nessa lógica, quem argumenta com profundidade é visto como “intelectual demais”, “desconectado do povo”. O novo capital político é a simplificação. E a consequência é devastadora: a política deixa de ser um espaço de construção coletiva para se tornar uma disputa de popularidade rasa.

Essa superficialidade não apenas empobrece o debate público — ela enfraquece o próprio exercício democrático. Instituições passam a ser atacadas não por seus erros reais, mas porque dificultam a narrativa conveniente do líder de turno. A mídia, por sua vez, muitas vezes amplifica esse fenômeno, ao preferir o escândalo ao conteúdo, o corte polêmico à análise. Em busca de audiência, parte da imprensa se torna cúmplice da lógica performática, ao invés de ser contrapeso crítico. E nesse ambiente viciado, a verdade se torna irrelevante: o que importa é quem fala mais forte, não quem fala com mais razão.

A superficialidade também gera decisões públicas desastrosas. Quando o marketing vale mais que o mérito, ministérios são ocupados por figuras que “comunicam bem”, e não por especialistas. Projetos complexos são abandonados porque “não engajam”. Programas sociais viram slogans. Reformas estruturais são substituídas por promessas vazias que rendem curtidas e votos. E o resultado aparece cedo ou tarde: a máquina pública emperra, a população se frustra e a democracia se desmoraliza.

Não se trata de exigir discursos rebuscados ou planos técnicos inalcançáveis. Trata-se de exigir responsabilidade no que se diz. Porque quem governa com frases de impacto costuma entregar impactos desastrosos. A política precisa voltar a ser feita com ideias, com escuta, com propostas. Caso contrário, seguiremos entregando poder a quem fala bonito, mas governa mal — e colhendo, mais uma vez, os frutos amargos da nossa própria distração.

A superficialidade pode até funcionar como estratégia de conquista. Mas nunca como método de governo. E quanto mais cedo a sociedade perceber isso, mais chance teremos de reconstruir uma política que trate o cidadão como cidadão — e não como plateia.

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