O Parlamento Contra o Povo: Quando a Lógica do Poder Pesa Mais que a Vontade Popular

Num momento em que o país clama por responsabilidade, equilíbrio e respeito institucional, o Congresso Nacional escolhe o caminho oposto. A derrubada dos decretos presidenciais que ajustavam as alíquotas do IOF não é apenas uma decisão fiscal ou um gesto político. É mais do que isso: é o sintoma de um Legislativo que se desconectou da realidade da população, que se habituou a operar à margem da ética republicana e que agora atua abertamente como poder de chantagem institucionalizada. Enquanto o Executivo tenta ajustar contas, segurar despesas e equilibrar uma máquina corroída por décadas de omissão e negociatas, o Congresso sabota medidas legítimas com um único objetivo: manter o controle do jogo político a qualquer custo.

O Executivo, dentro das prerrogativas constitucionais claras no artigo 153 da Constituição Federal, editou decretos para alterar alíquotas do IOF, uma competência delegada expressamente ao governo federal. A medida, ao contrário do que se tentou fazer parecer, não violava os limites legais. Era parte de um conjunto de ajustes necessários para proteger o equilíbrio fiscal e evitar cortes ainda mais severos em políticas públicas. No entanto, o Congresso agiu para derrubar os decretos, argumentando que o governo havia ultrapassado seus poderes. Na prática, porém, o que se viu foi outra coisa: uma demonstração de força bruta, de oportunismo político e de sabotagem consciente. O mesmo Congresso que exige meta fiscal, teto de gastos e corte de despesas, age para impedir o aumento de receita que viabilizaria justamente essas metas. O mesmo Parlamento que cobra responsabilidade, sabota os instrumentos que dariam ao governo essa possibilidade.

Mas o caso do IOF é apenas a ponta de um iceberg muito mais profundo. A postura recente do Congresso brasileiro revela uma lógica de poder que nada tem a ver com o interesse coletivo. Quando se observa, por exemplo, o avanço da proposta que aumenta o número de deputados federais, a desconexão com a realidade salta aos olhos. Enquanto o país enfrenta cortes na saúde, na educação e no investimento social, o Parlamento aprova uma medida que implica mais gastos, mais estrutura, mais assessores, mais verbas de gabinete, mais privilégios. E isso tudo contra a vontade esmagadora da população. Uma pesquisa da Folha de São Paulo revelou que 76% dos brasileiros são contra o aumento de parlamentares. Três em cada quatro pessoas rejeitam a proposta. E, mesmo assim, ela avança. O que isso revela é simples: o Congresso está legislando para si mesmo. Não representa mais o povo, mas sim seus próprios interesses, seus partidos, suas reeleições, suas máquinas de poder.

É legítimo perguntar: para quem eles governam? A resposta, infelizmente, não é difícil de encontrar. Governam para manter o sistema funcionando a seu favor. Para garantir que o controle da pauta, da verba e da narrativa permaneça em mãos convenientes. E o preço disso é alto. Cada medida legítima que o Executivo tenta tomar para organizar o país vira alvo de desconfiança, disputa e obstrução. Quando o governo busca equilibrar receitas com ajustes pontuais e amparados pela Constituição, é tratado como inimigo. Quando busca conter gastos, é acusado de sacrificar os mais pobres. Mas quando o Parlamento aprova medidas que beneficiam a si mesmo, o silêncio é ensurdecedor.

Outro exemplo emblemático foi o caso envolvendo o deputado Alexandre Ramagem. O Congresso agiu para sustar uma investigação contra ele, interferindo diretamente em processo judicial e atropelando a autonomia do Supremo Tribunal Federal. Essa blindagem seletiva, feita com pressa e sem pudor, expõe a real prioridade: não é o combate à corrupção, não é o zelo pela legalidade. É a proteção mútua. É o corporativismo mais escancarado, travestido de prerrogativa parlamentar. A mesma estrutura que impede o avanço de reformas importantes é a que age com agilidade para proteger seus próprios integrantes quando ameaçados pela Justiça. A incoerência é explícita. E o dano institucional é profundo.

Essa lógica de governo por chantagem, esse presidencialismo de refém, essa relação tóxica entre Executivo e Legislativo está corroendo a capacidade de Estado. O governo só consegue avançar quando cede, e quando não cede, apanha. A liberação de emendas virou moeda de sobrevivência. Deputados e senadores tratam o orçamento público como se fosse extensão de seus redutos eleitorais. A governabilidade virou refém de trocas nada republicanas. E o país afunda em paralisia e incerteza.

Tudo isso expõe uma distorção de poder gravíssima. O Congresso, que deveria ser a casa da representação popular, virou a trincheira da autopreservação. Age como muralha contra avanços estruturais, como protetor de privilégios, como núcleo de sabotagem sistemática. Sua prioridade não é o Brasil. Sua prioridade é manter-se inatacável, intocável, inatingível. Os custos dessa postura recaem sobre a população. Quando se sabota um ajuste fiscal necessário, o preço volta em cortes no orçamento da saúde. Quando se impede um aumento de arrecadação, falta dinheiro para educação. Quando se age contra o Executivo apenas por vingança política, quem sofre é o povo — não os parlamentares.

É preciso escancarar esse jogo. O país não suporta mais a hipocrisia legislativa que fala em responsabilidade com uma mão e assina aumento de despesa com a outra. Não dá mais para naturalizar a blindagem de aliados, a expansão de privilégios e a sabotagem da governabilidade. Não é possível conviver com um Parlamento que, diante de uma rejeição de 76% da população a uma proposta, insiste em empurrá-la adiante. Isso não é democracia. Isso é dissimulação institucional.

O Congresso Nacional precisa ser lembrado de sua função original: representar o povo. Não seus próprios interesses, não seus partidos, não suas benesses. Se continuar trilhando esse caminho, não será apenas a governabilidade que estará em risco, mas a própria confiança nas instituições. E sem confiança, não há país que se sustente.

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