Liberdade Seletiva: Quando o Discurso da Democracia Serve a Interesses Políticos

Uma nova investida internacional vem ganhando fôlego nos bastidores da diplomacia e nas comissões parlamentares estrangeiras. A alegação é nobre: defender a liberdade de expressão em países que estariam, supostamente, restringindo o direito de seus cidadãos de se manifestar nas redes sociais. Mas por trás dessa retórica polida, esconde-se uma prática antiga — usar os princípios democráticos como armas ideológicas, nunca como compromissos universais.

Recentemente, a mesma voz que acusa outros países de censura por conterem desinformação e discursos de ódio nas plataformas digitais, aprovou uma legislação que proíbe o funcionamento de uma das maiores redes sociais do mundo em seu próprio território. A justificativa? Segurança nacional. Nenhuma decisão judicial, nenhuma evidência pública, nenhum processo transparente. Apenas o fantasma da ameaça estrangeira, útil para justificar qualquer medida autoritária travestida de zelo patriótico.

A liberdade, para quem se arroga o papel de tutor global da democracia, vale mais como ferramenta de pressão externa do que como prática interna coerente. Os critérios mudam de acordo com a conveniência. Se um governo aliado silencia opositores, fecha jornais ou persegue minorias, o silêncio é absoluto. Mas quando um país soberano ousa contrariar interesses estratégicos — sobretudo financeiros e geopolíticos — então tudo vira “censura”, “autoritarismo”, “ameaça às liberdades”.

Essa incoerência não é acidental. É parte de um projeto. Não há interesse real na liberdade de expressão em si, mas sim em controlar os fluxos de informação, influenciar decisões políticas internas e desestabilizar governos que não seguem a cartilha imposta de fora.

O que está em curso não é um debate honesto sobre direitos. É uma tentativa de redefinir o conceito de liberdade a partir de uma lógica perversa: só é livre quem se alinha. Os que divergem são rotulados, pressionados, ameaçados — às vezes até economicamente punidos.

E a internet se tornou o campo de batalha preferencial dessa guerra simbólica. Redes sociais viraram trincheiras ideológicas. Plataformas que antes eram espaços para o debate se transformaram em instrumentos de manipulação massiva, organizadas para sabotar processos democráticos, destruir reputações e corroer instituições por dentro.

Nesse cenário, a atuação firme contra redes de desinformação, contra ameaças digitais e campanhas orquestradas de sabotagem institucional não é censura — é defesa da democracia. Fingir o contrário é ignorar o perigo real que a radicalização virtual representa para sociedades abertas.

A duplicidade de critérios se escancara quando se observa que a mesma potência que acusa, impõe proibições internas com mão de ferro. Bloqueia plataformas, persegue jornalistas investigativos, vaza dados de usuários por interesse de Estado. E depois veste o manto de defensora da liberdade para agir como juíza dos outros países.

Esse tipo de comportamento compromete a credibilidade do discurso democrático e transforma o conceito de direitos humanos em moeda de troca. Trata-se menos de valores universais e mais de instrumentos diplomáticos — aplicáveis ou ignoráveis conforme o alinhamento estratégico.

Em tempos de manipulação algorítmica, de discursos de ódio impulsionados artificialmente e de campanhas digitais coordenadas para desestabilizar instituições, conter abusos é um dever das autoridades democráticas, e não uma violação da liberdade.

A liberdade não pode servir de escudo para criminosos digitais, para golpistas de conveniência ou para operadores do caos. Defender a democracia inclui, sim, impedir que ela seja destruída sob o pretexto de estar sendo exercida.

Não é coincidência que as recentes pressões internacionais tenham como alvo figuras e instituições que ousaram enfrentar os abusos digitais e proteger a ordem democrática. Tampouco é coincidência que as denúncias mais inflamadas venham de setores alinhados a movimentos extremistas, inconformados com derrotas eleitorais ou com o avanço de processos legais contra seus próprios abusos.

É preciso, portanto, olhar com desconfiança para discursos moralistas que partem de nações que praticam o oposto do que pregam. A liberdade é um valor essencial — mas só se for defendida com coerência, universalidade e respeito à soberania alheia. Quando usada como arma geopolítica, ela perde seu sentido e se transforma em mais uma ferramenta de dominação.

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