Durante décadas, a explicação tradicional para o aumento de preços foi sustentada pela ideia de escassez. Quando os preços sobem, diz-se que a demanda superou a oferta. No entanto, essa narrativa, embora tecnicamente aceitável em determinados contextos, não dá conta de explicar o comportamento inflacionário em diversas situações onde não há, de fato, falta real de produtos.
O que se observa, com frequência crescente, é o uso da justificativa da escassez como um recurso retórico conveniente para disfarçar condutas empresariais voltadas à maximização do lucro por meio da restrição deliberada da oferta. Em outras palavras, há casos em que empresas que poderiam abastecer o mercado de forma estável optam por limitar sua produção ou distribuição, com o objetivo de manter os preços elevados e proteger margens financeiras.
Esse tipo de conduta, por vezes praticado de forma coordenada entre empresas do mesmo setor, configura um movimento que beira a cartelização informal. Ainda que nem sempre existam provas documentais de acordos diretos entre concorrentes, os efeitos práticos são os mesmos: formação artificial de preços, desequilíbrio competitivo e penalização do consumidor final.
Ao lado disso, observa-se uma inaceitável omissão estatal. Enquanto grande parte dos esforços de combate à inflação se concentra no aumento da taxa de juros — o que impacta diretamente o crédito, a produção e o consumo das famílias —, pouco se investiga a fundo a cadeia de formação de preços em setores estratégicos da economia. O resultado é um modelo em que o custo do ajuste recai sobre a população, enquanto os agentes com maior poder econômico mantêm suas margens intactas.
A inflação, assim, torna-se não apenas um fenômeno macroeconômico, mas também um sintoma de desequilíbrios estruturais: excesso de poder concentrado em poucos agentes de mercado, falta de regulação eficaz e ausência de uma política ativa de defesa da concorrência.
Desmistificar o argumento da “oferta escassa” é, portanto, uma tarefa urgente. Em muitos casos, não se trata de escassez genuína, mas de uma estratégia calculada que se aproveita da inércia institucional para beneficiar poucos às custas de muitos. Enquanto isso persistir, qualquer política de controle inflacionário estará incompleta — e será, inevitavelmente, injusta.