Na era da política de aparência, curtidas valem mais que resultados, e o cidadão vira apenas plateia. Mas o teatro das redes não substitui a responsabilidade de governar.
A política brasileira — e global — entrou de cabeça na era da performance. O que antes era campo de ação, projeto e responsabilidade, transformou-se em palco digital. Governar, para muitos líderes atuais, deixou de ser um exercício de compromisso com o bem público. Tornou-se uma busca diária por visibilidade, por frases de impacto, por vídeos editados em tempo recorde. A gestão virou narrativa. E, nesse novo cenário, o Instagram substituiu o Diário Oficial.
A política do espetáculo não se contenta em administrar — ela precisa encantar. Mas não com ideias. Com estética. Com filtros, com trilhas sonoras, com cenários calculadamente informais para passar a imagem de proximidade com o povo. O problema é que, na maioria das vezes, essa encenação não é apenas vaidosa. É disfarce. Serve para encobrir a ausência de políticas públicas, a superficialidade nos diagnósticos e o abandono da técnica.
É nesse ambiente que surgem os governantes-celebridade: mais preocupados com a próxima publicação do que com o próximo hospital. Eles não respondem à imprensa, mas fazem lives. Não enfrentam críticas, mas produzem “reacts”. A cada crise, uma nova campanha de imagem. A cada escândalo, uma nova pose heroica. O conteúdo perde para a encenação. O discurso vira desculpa. A gestão vira marketing.
Essa lógica contamina também os espaços institucionais. Prefeituras, governos estaduais e até ministérios se organizam não mais com base em projetos, mas em agendas de postagem. Secretarias se tornam “produtoras de conteúdo”. O tempo de resposta a um problema é medido não pela solução real, mas pela agilidade do “esclarecimento” nas redes. A linguagem institucional é substituída por memes. A crise vira roteiro. O orçamento vira carrossel de Instagram.
O impacto disso é profundo. O cidadão, que deveria ser o centro da política, vira apenas audiência. Em vez de reivindicar, consome. Em vez de exigir, compartilha. A ilusão de proximidade afasta a cobrança. E a vaidade política se alimenta da passividade digital. A comunicação direta entre governante e povo, que poderia ser um avanço democrático, torna-se uma cortina de fumaça onde a transparência é substituída por espetáculo.
E há ainda um agravante: os algoritmos. Eles recompensam o que provoca, o que divide, o que indigna. Governantes adaptam seus discursos ao engajamento, e não ao interesse público. O tom de conflito vira estratégia. O ataque vira ferramenta. A polarização passa a ser um ativo político — porque gera audiência, fideliza bolhas e abafa o debate real. Enquanto isso, as filas do SUS seguem, a evasão escolar aumenta, a fome retorna, e o servidor público perde espaço para o influenciador institucionalizado.
Mas a pergunta que não cala é: o que acontece quando os holofotes se apagam? Quando as câmeras são desligadas e os problemas continuam lá, no transporte público precário, na fila do hospital, na falta de merenda, na violência cotidiana, no abandono educacional? A política da imagem não oferece respostas para a realidade — apenas distrações. E não há filtro que disfarce o abandono concreto do povo.
Governar não é influenciar. Não é viralizar. Não é saber editar vídeos. Governar é tomar decisões difíceis, é se comprometer com o que não dá voto, é enfrentar interesses, é errar e corrigir com transparência. A política não é feed. É função pública.
A democracia precisa urgentemente de menos personagens e mais servidores. De menos performance e mais responsabilidade. Porque, no fim das contas, o povo não precisa de um show. Precisa de solução.
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