Desculpa a Demora, É Que a Vida Me Engoliu

Você já escreveu essa frase? Ou melhor: quantas vezes já escreveu essa frase só nesta semana?

“Desculpa a demora, é que a vida me engoliu.”
Parece desculpa esfarrapada, mas virou mantra coletivo. A gente repete sem pensar, quase como automatismo — um pedido de desculpas pelo atraso, pela ausência, pelo sumiço, pela falha em manter o mínimo de presença.

E não é falta de vontade. É excesso de tudo. De compromissos, de tarefas, de expectativas, de notificações, de boletos, de urgências inventadas. O tempo escorre por entre os dedos enquanto a gente responde “já te ligo”, “vou ver isso hoje”, “te mando amanhã” — e, quando vê, já é semana que vem, já virou mês seguinte, já é quase Natal.

A vida moderna é esse jogo estranho onde todos estão exaustos, mas ninguém para. Um corre-corre silencioso, em que se sobrevive a partir de pequenos adiamentos e justificativas compartilhadas. Ninguém mais se cobra pela pontualidade — a gente só quer sobreviver ao calendário sem enlouquecer.

E é curioso como até as relações viraram reféns desse ritmo. O amigo que some não é ingrato, é soterrado. O colega que não responde não é mal-educado, é vencido pelo cansaço. A mensagem deixada no vácuo não é desprezo, é só mais uma notificação afogada no meio de duzentas. A gente se entende pelo cansaço — e isso, por incrível que pareça, virou afeto.

“Desculpa a demora” virou sinônimo de “eu não esqueci de você”, mesmo que pareça que esquecemos de tudo. É um jeito torto de manter vínculos, mesmo quando a rotina tenta nos transformar em ilhas isoladas. É um lembrete de que, apesar da bagunça, ainda há tentativas de conexão.

A verdade é que ninguém está dando conta de nada. Nem do trabalho, nem das demandas da casa, nem da avalanche de notícias, muito menos de si mesmo. E talvez o grande erro seja fingir que dar conta de tudo é possível, desejável ou normal.

Então, da próxima vez que você escrever “desculpa a demora”, saiba: do outro lado, alguém provavelmente está escrevendo a mesma coisa — atrasado, cansado, tentando respirar no meio do caos.

A vida nos engoliu. Mas a gente segue, engolido e tudo, ainda tentando responder.

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