Num país onde a fé é mais obedecida que a Constituição, e onde a ideologia virou lente turva para interpretar a realidade, não é difícil entender por que o Brasil anda para trás quando deveria estar correndo. A confusão entre crença e conhecimento tem se tornado um entrave estrutural ao desenvolvimento nacional, pois o que deveria ser uma dimensão pessoal da espiritualidade ou da opinião transforma-se em instrumento de controle coletivo e de negação do pensamento.
O fanatismo — seja religioso ou político — não é uma força espiritual nem um posicionamento de convicção: é a morte do pensamento crítico. É quando o indivíduo escolhe ignorar fatos, desprezar a ciência e recusar qualquer diálogo que ameace o conforto da sua crença. Em nome dessa cegueira, bloqueiam-se políticas públicas, sabota-se o ensino, desacredita-se a imprensa e criminaliza-se o contraditório. E pior: essa cegueira é celebrada, defendida e repetida como se fosse virtude.
Quando líderes religiosos interferem em decisões de Estado, o resultado é devastador. Vimos isso nas tentativas de barrar campanhas de vacinação, no boicote à educação sexual nas escolas, na censura de livros e na demonização de professores. A escola, que deveria formar pensadores, vira inimiga. O saber vira pecado. E o atraso, sagrado. E é justamente na base da educação que o fanatismo finca suas garras: um povo que não pensa é mais fácil de controlar. O apagamento crítico das novas gerações é estratégico para perpetuar esse estado de torpor ideológico.
Enquanto isso, o discurso da “família tradicional” é usado como escudo para manter estruturas patriarcais, machistas e homofóbicas. O fanatismo se disfarça de moral, mas sua essência é controle. Em vez de garantir direitos e respeitar diversidades, esse discurso transforma o diferente em inimigo, criando uma falsa moralidade que sufoca direitos humanos em nome de uma suposta ordem divina.
Do outro lado, a radicalização política fecha os ouvidos. Não há escuta, apenas trincheiras. A extrema direita no Brasil, por exemplo, transformou o debate público em campo de guerra moral, onde dados são desprezados, especialistas atacados e adversários tratados como inimigos da pátria. A crítica virou blasfêmia, a imprensa virou inimiga, e o contraditório passou a ser atacado com agressividade.
A ideologia fanática não se alimenta de ideias, mas de ressentimentos. Ela prospera na negação: nega a fome, nega a pandemia, nega o racismo, nega a desigualdade. E nega, acima de tudo, a possibilidade de reconstrução coletiva. Seu discurso é simplificador, maniqueísta, e profundamente desonesto. A realidade deixa de importar; o que conta é o que se encaixa na narrativa que dá conforto, mesmo que seja mentira.
O ápice do risco ocorre quando o fanatismo não está apenas nas redes sociais ou nos cultos, mas nos gabinetes. Governos que flertam com seitas ideológicas — seja no altar ou na milícia digital — paralisam a máquina pública, bloqueiam reformas urgentes e colocam o Estado a serviço da ignorância. E fazem isso sob o aplauso de massas manipuladas que confundem liderança com salvação.
Foi assim com a tentativa de sabotar o ENEM, com a substituição de cientistas por pastores, e com os discursos que confundiam fé com política de saúde pública. O obscurantismo virou método. O fanatismo virou política de Estado. E isso é mais perigoso do que parece: não só desorganiza o presente, como também compromete o futuro. Gerações inteiras crescem sob a dúvida, a mentira e o medo.
A consequência é clara: um país dividido, empobrecido e emocionalmente exausto. O Brasil paga caro por tolerar o fanatismo como força legítima. Não se trata de ser contra a fé ou contra convicções políticas — trata-se de reconhecer que quando essas crenças viram muros intransponíveis, o progresso morre sufocado. A ciência perde espaço, a cultura é atacada, e a democracia enfraquece diante do grito.
Nenhum povo progride enquanto suas decisões são guiadas por dogmas e não por diálogo. Fé e ideologia são legítimas quando convivem com a razão, mas perigosas quando a sufocam. A democracia exige escuta, dúvida, ciência e empatia — tudo o que o fanatismo odeia.
É hora de abrir os olhos, abrir os ouvidos, e sobretudo, abrir a mente. Porque nenhuma mudança verdadeira virá da cegueira ou da surdez intelectual. A liberdade começa quando a mente se recusa a ser cativa da ignorância.
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