A Nova Rota da Influência: Como o Sul Global Redesenha o Tabuleiro Mundial

Há décadas, a ordem mundial foi desenhada sob a lógica de blocos dominantes, com os países do Norte global — especialmente Estados Unidos e Europa Ocidental — ditando as regras do jogo. Mas silenciosamente, sem estardalhaço nem grandes discursos em tribunas, o Sul Global começou a reposicionar suas peças. A mudança não veio por revoluções ou guerras, mas por alianças estratégicas, avanço econômico, cooperação técnica e, sobretudo, cansaço diante de uma ordem internacional que sempre privilegiou os mesmos de sempre. O tabuleiro geopolítico está mudando — e quem redesenha suas linhas, desta vez, são os outrora subalternos.

O conceito de “Sul Global” não é apenas geográfico, mas político e econômico. Engloba países da América Latina, África, Ásia e algumas regiões do Oriente Médio que compartilham um passado de exploração colonial e um presente de subordinação econômica. Mas, mais do que isso, compartilham agora um projeto: construir alternativas. O avanço da China como potência global, a consolidação dos BRICS como bloco estratégico, a reorganização da África com base em infraestrutura e autonomia regional, e a postura cada vez mais independente da América Latina, sinalizam que o centro de gravidade global está se deslocando — lentamente, mas com consistência.

A China é o exemplo mais visível. Não apenas desafia os EUA economicamente, como propõe outro modelo de influência: não impõe ideologias, oferece crédito, investe em obras e aceita governos dos mais variados perfis. Sua Iniciativa do Cinturão e Rota, também chamada de “Nova Rota da Seda”, já liga economicamente mais de 140 países, muitos deles no Sul Global. A África, por exemplo, outrora saqueada por potências coloniais, hoje negocia diretamente com chineses, indianos e turcos, em condições menos humilhantes que aquelas impostas por fundos ocidentais.

Enquanto isso, os BRICS — com Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — vão deixando de ser apenas um agrupamento simbólico para se tornar um contraponto real ao G7. A entrada de novos membros, como Egito, Etiópia e Irã, amplia a diversidade política do bloco e reforça seu objetivo: não reproduzir o modelo do Ocidente, mas oferecer um fórum de cooperação multilateral em que soberania, desenvolvimento e não-intervenção sejam respeitados. A proposta de uma moeda alternativa ao dólar nas trocas entre os membros, embora ainda embrionária, assusta quem sempre controlou o sistema financeiro internacional.

O Brasil, ainda que oscilante, tem papel crucial nesse movimento. Sua inserção nos BRICS, no G20 e em fóruns multilaterais permite equilibrar os interesses do Norte e do Sul, desde que haja projeto interno consistente — o que nem sempre se observa. Ainda assim, o país é visto como peça estratégica nesse novo arranjo: tem território, recursos naturais, diversidade cultural, capacidade diplomática e influência regional. Só precisa deixar de se comportar como periferia à espera de ordens externas.

O mais interessante dessa nova configuração é que ela não repete a lógica imperial de dominação. O Sul Global não busca hegemonia sobre o Norte. Busca equilíbrio. Não quer substituição de um império por outro, mas a quebra do monopólio de decisões centralizadas em meia dúzia de potências. O que se desenha é um mundo multipolar, em que África, América Latina e Ásia não sejam apenas palcos de disputa, mas autores da própria narrativa.

O tabuleiro está sendo redesenhado. E se o Norte ainda dita as manchetes, o Sul começa a ditar os rumos.

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