Desde o colapso da União Soviética, a chamada “ordem liberal internacional”, liderada pelos Estados Unidos e baseada em instituições multilaterais, normas democráticas e economias de mercado abertas, moldou as relações globais. No entanto, nas últimas décadas, essa ordem tem enfrentado uma crescente crise, marcada pelo questionamento de suas premissas, pela ascensão de atores não estatais e, crucialmente, pela afirmação de potências regionais com agendas e interesses próprios.
O multilateralismo, pedra angular da ordem liberal, tem sido desafiado pelo crescente nacionalismo e pela priorização de interesses domésticos em detrimento da cooperação global. Instituições como a Organização Mundial do Comércio (OMC) enfrentam dificuldades em lidar com as novas dinâmicas de poder e as disputas comerciais. A ascensão de líderes populistas e nacionalistas em diversas partes do mundo reflete um desencanto com as normas e os valores da ordem liberal.
Paralelamente, atores não estatais, como empresas transnacionais, organizações não governamentais e até mesmo grupos terroristas, ganharam proeminência e capacidade de influenciar a geopolítica, erodindo a centralidade do Estado-nação como ator único nas relações internacionais.
No entanto, talvez o desafio mais significativo à ordem liberal internacional venha da ascensão de potências regionais. Países como a Rússia, com sua assertividade na sua esfera de influência e sua contestação da expansão da OTAN; a China, com seu crescente poder econômico e militar e sua ambição de moldar a ordem global; a Índia, com sua crescente importância demográfica e econômica e sua busca por um papel de liderança na Ásia; o Brasil, com seu potencial e desafios na América Latina; a Turquia, com sua política externa multifacetada; a Arábia Saudita e o Irã, com suas rivalidades regionais e influência no Oriente Médio – todos buscam afirmar seus interesses e desafiar a hegemonia unipolar ou bipolar que caracterizou o pós-Guerra Fria.
Essas potências regionais não necessariamente buscam derrubar completamente a ordem liberal, mas sim moldá-la para acomodar seus próprios interesses e visões de mundo. Elas buscam maior voz e representação em instituições internacionais, contestam normas que percebem como injustas ou que limitam sua soberania e, em alguns casos, estabelecem esferas de influência regionais.
A crise da ordem liberal internacional não implica necessariamente o caos ou o conflito generalizado, mas sim uma transição para um sistema internacional mais multipolar e complexo, onde a competição e a cooperação coexistem de forma tensa. Compreender as agendas e as ambições dessas potências regionais é fundamental para analisar a direção que o sistema global está tomando e os desafios que a comunidade internacional enfrentará no século XXI.