Desde 1994, quando o Plano Real estabilizou a moeda e deu novo rumo à economia brasileira, um cálice amargo permaneceu intocado: a crença cega de que só se combate inflação com juros altos. Essa narrativa, repetida à exaustão por banqueiros, consultores do mercado financeiro e tecnocratas protegidos pelo jargão econômico, nada mais é do que uma fórmula disfarçada de responsabilidade. Na prática, trata-se de um sistema viciado que favorece rentistas, inibe o crescimento e condena a economia real a viver de fôlego curto.
A cada sinal de reaquecimento da economia, a velha sineta toca: “a inflação está voltando”. E com isso, o Banco Central “independente” — cuja independência, aliás, tem se mostrado mais simbólica do que real — age de forma quase automatizada, elevando a Selic para agradar os donos do dinheiro. Mas quem dita essas previsões? O mesmo “mercado” que tem interesses diretos nas decisões tomadas. O ciclo está armado: o mercado faz previsões, o Banco Central segue as previsões, e os especuladores ganham com isso. Uma engrenagem que gira em favor dos poucos que vivem dos juros da dívida pública, sustentada pelos muitos que produzem, trabalham e consomem.
Mas não são apenas os rentistas os beneficiários dessa gangorra. Parte expressiva do empresariado brasileiro também tem culpa direta na perpetuação da inflação. Ao menor sinal de instabilidade, muitos optam por remarcar seus preços para cima, não por necessidade produtiva real, mas por precaução especulativa ou oportunismo. É a chamada “inflação psicológica”, estimulada por uma cultura empresarial que prioriza margem em detrimento de volume, sustentabilidade ou responsabilidade social.
Essa é uma das grandes diferenças entre o empresariado brasileiro e o empresariado chinês. Enquanto aqui se busca vender o máximo pelo maior preço que o mercado aguentar, lá o foco está em escalar, conquistar mercados e manter preços competitivos. A China descobriu que é possível crescer ganhando no volume, gerando empregos e fortalecendo o mercado interno. No Brasil, ainda se aposta na escassez como estratégia de lucro.
O empresariado nacional, com raras exceções, se comporta de forma extrativista: extrai lucros do consumo da população, mas investe pouco em produtividade, infraestrutura ou equilíbrio social. Em vez de aproveitar os momentos de estabilidade para aumentar a oferta e reduzir custos, prefere pressionar para repassar os aumentos ao consumidor final. O resultado é um círculo vicioso que alimenta a inflação e justifica novos aumentos de juros, sempre com o aplauso dos que vivem de renda fixa.
A suposta independência do Banco Central, vendida como garantia técnica contra a ingerência política, na prática se converteu em uma blindagem contra a agenda do país. Ora, que independência é essa que segue à risca o boletim Focus — um apanhado de palpites do mercado — e se recusa a dialogar com a realidade social e produtiva da nação? Onde está a independência quando a diretoria do Bacen é composta por figuras que transitaram, ou transitarão, entre bancos privados e gestoras de capital?
A verdade é que o Brasil não crescerá de forma sustentável enquanto tratar o juro alto como panaceia. Inflação se combate com mais produção, mais oferta, mais eficiência logística, mais competição. E isso exige, também, um empresariado comprometido com o país, não apenas com seu balanço trimestral.
Ao apostar no volume e na inclusão, as empresas ganham novos mercados, a população ganha e consome mais, o governo arrecada mais tributos e o país avança. Um ciclo virtuoso é possível — mas não com juros de dois dígitos e uma elite econômica que se recusa a enxergar o próprio umbigo como parte do problema.
Chegou a hora de romper com o dogma. De repensar o papel do Banco Central, de exigir responsabilidade do empresariado, e de substituir o rentismo pela produtividade. O Brasil merece mais do que uma economia feita para poucos às custas de muitos. Merece um projeto de nação onde o crescimento não seja punido com arrocho, mas celebrado com distribuição de riqueza e oportunidades.