Economia da Cultura e o Direito de Criar: Por que Investir em Cultura é Investir em Futuro

A cultura, em tempos de crise e austeridade, é quase sempre tratada como um luxo. Quando cortes orçamentários são feitos, ela está entre as primeiras áreas sacrificadas. Quando se discute “gastos públicos”, os investimentos culturais costumam ser rotulados como supérfluos, dispensáveis, um adorno que pode esperar. Essa visão, repetida com insistência nos discursos políticos mais rasteiros, revela não apenas um desprezo pela produção simbólica de um povo, mas uma incompreensão profunda sobre o papel estratégico da cultura no desenvolvimento econômico, social e democrático de um país.

É preciso afirmar com clareza: investir em cultura é investir em futuro. E mais que isso, é reconhecer o direito à criação, à expressão e à representação como elementos centrais da cidadania. Uma nação que despreza sua cultura caminha para um apagão de suas memórias, a homogeneização de seus valores e a fragilização de sua identidade. Em contrapartida, uma sociedade que valoriza a diversidade de suas manifestações culturais constrói laços mais sólidos, amplia o senso de pertencimento coletivo e fortalece sua resiliência diante das adversidades.

No plano econômico, os números são contundentes. A chamada economia criativa, que abrange setores como audiovisual, design, literatura, artes cênicas, música, games, moda, arquitetura, publicidade e expressões populares, representa cerca de 3% do PIB mundial e emprega mais de 30 milhões de pessoas globalmente, segundo a UNESCO. No Brasil, mesmo com sucessivos desmontes nas políticas públicas de cultura, esse setor responde por aproximadamente 2,6% do PIB nacional e emprega milhões de trabalhadores diretos e indiretos. É uma cadeia produtiva complexa, que ativa diversos segmentos — da indústria gráfica aos profissionais de tecnologia, da logística ao turismo, do comércio ao setor de eventos.

Mas ainda que a cultura gere riqueza, renda e empregos, ela continua sendo marginalizada no debate político. Parte disso se deve a uma visão elitista e centralizadora, que enxerga a cultura apenas pelos grandes palcos, pelos festivais badalados ou pelos museus de centros urbanos. Essa visão invisibiliza o imenso caldo cultural que pulsa nas periferias, nos interiores, nas comunidades indígenas, nas quebradas, nos quilombos e nos terreiros. Nessas margens esquecidas pelo poder público, a cultura resiste como forma de afirmação, denúncia, celebração e sobrevivência. Mas sem acesso a editais, sem equipamentos, sem rede de apoio, milhares de criadores seguem excluídos do sistema oficial de fomento cultural.

O direito de criar, portanto, é hoje um privilégio restrito. Embora a Constituição Federal reconheça a cultura como direito de todos e dever do Estado, o acesso às condições para produzir cultura está longe de ser universal. A burocracia de muitos editais, os critérios técnicos desproporcionais, a ausência de formação para elaboração de projetos e a concentração de recursos em regiões já privilegiadas são barreiras reais que minam a democratização do fazer cultural. Além disso, a cultura popular e periférica ainda sofre com preconceitos estéticos, sociais e raciais que dificultam seu reconhecimento como legítima e digna de investimento.

Não por acaso, os momentos mais autoritários da história brasileira estiveram associados ao controle, à censura e ao silenciamento da cultura. Foi assim na ditadura militar, quando livros foram proibidos, músicas vetadas, artistas perseguidos. Foi assim também em tempos mais recentes, com ataques sistemáticos às leis de incentivo, desmonte de órgãos de fomento e tentativas de reescrever a história por meio de narrativas ideológicas. Em todos esses momentos, a cultura foi vista como uma ameaça — e de fato, ela é uma ameaça a toda forma de autoritarismo, pois a cultura ensina a pensar, a sentir, a imaginar outros mundos possíveis.

Investir em cultura, portanto, é também investir na democracia. É reconhecer que não há cidadania plena sem direito à palavra, à memória, ao símbolo. É compreender que cada criança que aprende a tocar um instrumento, que escreve um poema, que frequenta um espetáculo, está sendo formada não apenas como artista, mas como sujeito crítico e cidadão ativo. E que cada artista que consegue viver de sua arte representa a vitória da dignidade sobre a precariedade, da expressão sobre o silêncio, da criação sobre a invisibilidade.

Para isso, é urgente a formulação de políticas culturais estruturantes, permanentes e descentralizadas. Não bastam editais pontuais. É preciso criar mecanismos contínuos de financiamento, fomentar centros culturais de base comunitária, democratizar o acesso aos meios de produção e garantir que a diversidade cultural brasileira — imensa, viva, contraditória — tenha voz nos espaços de decisão. É também necessário romper com a lógica de que cultura se resume a entretenimento. A cultura, mais do que lazer, é linguagem, é resistência, é instrumento de transformação social.

A cultura não é um enfeite da nação. Ela é sua espinha dorsal. Um país que nega sua cultura nega sua alma. E um país sem alma se torna presa fácil da apatia, da violência simbólica e da manipulação ideológica. Se quisermos um Brasil mais justo, mais forte e mais consciente, precisamos garantir que todos tenham não só o direito de consumir cultura, mas também o direito de criá-la — com liberdade, com apoio e com reconhecimento.

A cultura é um investimento que rende muito mais do que lucro. Ela rende consciência, identidade e futuro.

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