Há décadas, o mundo acompanha a agonia palestina através de imagens perturbadoras, relatos dramáticos e denúncias que chocam pela frequência com que se repetem. Contudo, a guerra mais recente entre Israel e Palestina colocou sob uma luz ainda mais crua aquilo que muitos preferem ignorar: estamos diante de uma situação que vai além de conflitos pontuais; trata-se de um aparente massacre contínuo, de uma tragédia que o vocabulário diplomático resiste a reconhecer abertamente como genocídio.
É preciso coragem para usar a palavra genocídio—e responsabilidade ainda maior para avaliá-la corretamente. Genocídio não é simplesmente um termo forte; é um crime tipificado pelo direito internacional como o extermínio deliberado, sistemático e direcionado contra um povo específico, com o intuito explícito de eliminá-lo parcial ou totalmente.
Desde os recentes bombardeios em Gaza até a ocupação violenta dos territórios palestinos na Cisjordânia, muitas das ações militares israelenses parecem se aproximar perigosamente dessa definição. Sob o pretexto de combater grupos considerados terroristas, forças armadas israelenses têm destruído bairros inteiros, escolas, hospitais, mercados populares e até campos de refugiados, bloqueando sistematicamente o acesso à água potável, alimentos, medicamentos essenciais e ajuda humanitária básica. O resultado imediato é devastador: milhares de civis palestinos mortos ou gravemente feridos, muitos deles mulheres e crianças, cuja única culpa aparente é habitar a terra disputada.
A situação se agrava quando observamos que tais ações são acompanhadas por uma retórica política que nega a existência do povo palestino como uma identidade legítima, promovendo sua desumanização. Esse discurso serve de combustível para políticas que objetivamente visam enfraquecer e erradicar não apenas a resistência palestina armada, mas a própria possibilidade de sobrevivência da população como um grupo coeso, com sua cultura, história e direito de autodeterminação preservados.
Não se trata aqui de negar o direito à legítima defesa, que é reconhecido por qualquer Estado soberano. No entanto, quando um Estado ultrapassa de forma clara e contínua os limites estabelecidos pelo direito internacional, atacando deliberadamente civis inocentes e utilizando força desproporcional, a linha entre defesa e massacre é perigosamente apagada.
O silêncio cúmplice das principais potências mundiais não é menos perturbador. As mesmas nações que proclamam valores democráticos e direitos humanos hesitam em classificar esses atos claramente como crimes contra a humanidade, preferindo declarações vagas ou a comodidade do silêncio. Grandes democracias ocidentais—que historicamente se posicionam contra injustiças quando lhes convém geopoliticamente—mostram-se tímidas, cautelosas, ou talvez coniventes diante da tragédia que se desenrola diariamente na Palestina ocupada.
O papel das Nações Unidas nesse contexto é particularmente frustrante. Embora frequentemente denuncie abusos em relatórios e resoluções simbólicas, a ONU continua refém das dinâmicas de poder no Conselho de Segurança, onde aliados de Israel, especialmente os Estados Unidos, bloqueiam iniciativas concretas que poderiam interromper ou ao menos atenuar a violência.
A história, porém, tem uma memória implacável. Ela não perdoa a inação, nem o silêncio daqueles que poderiam intervir, mas preferem fechar os olhos ao horror. É impossível ignorar que estamos testemunhando mais uma página sombria da humanidade—uma página escrita não apenas pela violência explícita, mas pela omissão, pela complacência internacional e pela covardia diplomática.
Usar a palavra genocídio não deve ser um ato leviano. Mas ignorar suas características evidentes—os sinais claros e terríveis que já vimos em Ruanda, na ex-Iugoslávia e em outros capítulos sangrentos da história recente—é compactuar com sua perpetuação. O mundo precisa acordar e reconhecer que a verdadeira ameaça não vem apenas de bombas e mísseis, mas também da incapacidade deliberada e conveniente de chamar as coisas pelo que realmente são.
Enquanto o massacre da Palestina continua, nossa própria humanidade está em jogo. E a pergunta que fica para cada um de nós é clara e inevitável: por quanto tempo mais vamos tolerar, com nosso silêncio, que tais atrocidades continuem acontecendo diante de nossos olhos?