Justiça em Colapso: Quando o Direito se Torna Injustiça

A função primordial da Justiça é servir ao povo, garantir direitos, corrigir abusos e proteger os mais vulneráveis. Mas o que vemos, com cada vez mais evidência, é um sistema que se move ao sabor dos poderosos, dos interesses ocultos e dos conchavos institucionais. O que era para ser a última trincheira da equidade se tornou, em muitos casos, um instrumento de manutenção de desigualdades e silenciamento das vozes incômodas.

Nos bastidores do poder judiciário, as garantias constitucionais têm sido seletivamente aplicadas. Políticos influentes contam com um arsenal de recursos protelatórios, habeas corpus preventivos, blindagens institucionais e uma rede de proteção que não está disponível ao cidadão comum. A famosa lentidão processual é, para muitos, apenas uma desculpa institucional para a impunidade programada. E essa seletividade é tão estruturada que cria um verdadeiro apartheid jurídico, onde o acesso à justiça está diretamente ligado ao poder econômico e às conexões políticas.

Enquanto isso, populações pobres amargam anos de espera por um julgamento, enfrentam processos em massa com defensoria sobrecarregada e sentenças que reproduzem estigmas sociais. A maioria sequer entende os trâmites jurídicos a que está submetida. Não há equidade quando o mesmo sistema julga com pesos diferentes a depender do CPF, do endereço ou da cor da pele. A desigualdade jurídica aprofunda ainda mais as feridas sociais e enfraquece o pacto democrático.

O problema é ainda mais grave quando a própria estrutura do Judiciário se fecha em torno de privilégios corporativos. Juízes com auxílios desproporcionais, férias estendidas, aposentadorias integrais e pouca transparência na prestação de contas. Como esperar que um sistema que se organiza para proteger a si mesmo esteja disposto a enfrentar os interesses dos que mais concentram poder?

Mais preocupante é o silêncio institucional diante dos abusos cometidos por dentro da própria Justiça. Juízes que ultrapassam os limites constitucionais, procuradores que operam politicamente, tribunais superiores que oscilam conforme a conjuntura política. Tudo isso mina a confiança na democracia, e à medida que essa confiança se deteriora, cresce o risco da barbárie, da justiça pelas próprias mãos, da ruína institucional.

A Justiça não pode ser apenas uma excêntrica torre de marfim ocupada por togados distantes da realidade. Precisa descer das escadarias, enxergar os invisíveis e enfrentar os poderosos. Precisa reconhecer suas falhas, seus vícios, suas omissões. Ou ela se reconcilia com o povo e sua dor, ou continuará a ser percebida como mais uma engrenagem de um sistema construído para manter privilégios.

Há juízes sérios, servidores compromissados, decisões exemplares. Mas são ilhas de coerência em um oceano de contradições. Quando a população perde a confiança na Justiça, perde também a crença em qualquer possibilidade de reparação institucional. O descrédito não nasce do populismo, mas da realidade cotidiana de quem sofre e não é ouvido.

Não se trata de destruir o Judiciário, mas de salvá-lo de si mesmo. De exigir coragem, responsabilidade, coerência e compromisso com aquilo que justifica sua existência: a justiça.

E se o Judiciário for incapaz de ouvir esse clamor, não será a história que o absolverá. Será o povo, nas ruas e nos olhos, quem decretará o veredito da sua relevância ou da sua ruína.

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