Em 5 de outubro de 1988, nascia a Constituição que marcaria o recomeço da democracia brasileira. Apelidada de “Carta Cidadã” por Ulysses Guimarães, ela simbolizou o rompimento com o regime militar e o início de uma nova era de direitos, garantias e participação popular. Mas, mais de três décadas depois, a pergunta se impõe: essa Constituição ainda resiste? Ou estamos testemunhando seu lento esvaziamento diante de interesses políticos e retrocessos institucionais?
A Constituição de 1988 foi fruto de um processo constituinte amplo, com participação social inédita. A nova Carta ampliou direitos civis, sociais e trabalhistas; estabeleceu limites ao poder do Estado; reforçou a separação entre os Poderes; criou mecanismos de controle e fiscalização; e consagrou a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental.
Mais do que um documento jurídico, ela foi um pacto político — uma tentativa de reconstruir o país após décadas de autoritarismo, repressão e silêncio.
Hoje, o cenário é outro. A Carta de 1988 está sob ataque não apenas por discursos antidemocráticos explícitos, mas também por ações silenciosas que, aos poucos, corroem seus pilares. Entre as ameaças mais evidentes:
Tentativas de minar o STF, com propostas para limitar seus poderes ou transformar ministros em alvos políticos;
Propostas de “revisão” constitucional com fins oportunistas, como a flexibilização de direitos sociais e trabalhistas;
Deslegitimação do processo eleitoral, um atentado direto ao voto como fundamento do sistema democrático;
Militarização da política e uso político de forças de segurança, que reavivam fantasmas da ditadura.
A Constituição de 1988 não é apenas desrespeitada — ela é frequentemente tratada como um obstáculo por setores que preferem o atalho do autoritarismo.
Muitas reformas apresentadas como “necessárias” ou “modernizadoras” na verdade escondem interesses econômicos ou ideológicos que visam desmontar os avanços da Constituição. A precarização das relações de trabalho, a privatização de serviços essenciais e a erosão de políticas públicas não são falhas da Carta, mas sim estratégias de enfraquecê-la.
A narrativa de que a Constituição “engessa” o país serve, na prática, para justificar cortes de direitos e concentração de poder.
Apesar dos ataques, a Constituição tem resistido — muitas vezes graças ao papel firme do Supremo Tribunal Federal e à atuação da sociedade civil organizada. Mas a resistência formal não basta. O compromisso com a Constituição deve ser diário, ativo e consciente. Um pacto democrático só se sustenta se for permanentemente reafirmado pelo povo.
A Carta de 1988 não é um texto congelado no tempo — é uma construção viva, que depende da vigilância coletiva para sobreviver.
Responder à pergunta “a Carta Cidadã ainda resiste?” exige coragem. Sim, ela resiste — mas com cicatrizes, com feridas abertas, e sob constante ameaça. Defender a Constituição de 1988 é mais do que preservar um conjunto de leis: é preservar a memória, o pacto social e a esperança de um Brasil mais justo e plural.
A sua fragilidade é também a nossa. E sua força, quando ativada, é a maior prova de que a democracia ainda pode triunfar sobre os retrocessos.