Justiça que Tarda, Poder que Lucra: A Morosidade como Instrumento de Controle

No Brasil, dizer que a justiça é lenta virou quase um ditado popular, repetido por quem espera uma sentença por anos, por quem vê um crime notório prescrever ou por quem acompanha um escândalo de corrupção cair no esquecimento. Mas o problema da morosidade judicial não é apenas técnico. Ele é político. Em muitos casos, não é falha — é método. A lentidão do Judiciário funciona, na prática, como uma engrenagem silenciosa do poder, beneficiando os mesmos grupos que historicamente moldaram o país a seu favor.

Segundo dados do CNJ, o tempo médio de tramitação de um processo na Justiça brasileira supera 5 anos em alguns tribunais. Casos simples se arrastam por décadas, enquanto a pilha de ações só cresce. Os juízes não dão conta, o sistema processual é excessivamente burocrático, e a tecnologia ainda engatinha em muitas comarcas. Mas há algo além da estrutura precária: há interesses.

A morosidade afeta de forma desigual. Quem tem poder econômico pode pagar advogados experientes para empurrar o processo, interpor recursos, solicitar vistas, exigir perícias infindáveis. A cada manobra, a justiça se estica no tempo. Para os pobres, a lentidão se torna abandono. Enquanto a classe alta adia o inevitável, os desassistidos esperam por uma decisão que nunca chega — seja num processo de aposentadoria, numa indenização trabalhista ou no julgamento de um crime cometido contra eles.

Não é raro ver processos de grande repercussão envolvendo políticos ou empresários influentes dormirem em gavetas judiciais por anos, para depois prescreverem. O sistema, neste caso, opera com exatidão cirúrgica: não decide, não pune, mas também não encerra — deixa pairando a impressão de que algo está sendo feito, quando na verdade se posterga o enfrentamento real.

E a consequência disso é devastadora: a sociedade começa a desacreditar da justiça. Cria-se a sensação de que só responde quem é pobre, preto ou periférico. Os outros escapam — sempre. E isso não é apenas percepção. É estatística. O sistema penal brasileiro está abarrotado de jovens condenados por pequenos furtos, enquanto crimes de colarinho branco seguem impunes.

A morosidade também serve para esvaziar pautas sociais. Ações civis públicas por danos ambientais, direitos de minorias, reforma agrária ou saúde coletiva são empurradas indefinidamente, até que a urgência se dissolva e o conflito se acomode. Justiça atrasada, aqui, não é apenas omissão: é forma de controle social.

Mas o problema não se limita aos tribunais. Ele começa na própria Constituição, que é ampla, porém continuamente reinterpretada de acordo com conjunturas políticas. As leis, muitas vezes, são escritas com margens para a ambiguidade — o que permite decisões contraditórias e favorece recursos infindáveis.

E o mais cruel é que essa estrutura disfuncional, injusta e desigual é sustentada por um discurso técnico e neutro. “Fazemos o que a lei permite”, dizem os operadores do Direito. Mas a lei, neste país, sempre permitiu muito mais aos que têm. É preciso questionar: de que justiça falamos quando os mais poderosos têm tempo ao seu lado, e os mais fracos são engolidos por ele?

No CanalImpério360, essa pergunta será constante. Porque não basta criticar a lentidão como falha administrativa — é necessário enxergá-la como prática de poder. Uma justiça que demora para agir é uma justiça que já escolheu a quem servir. E essa escolha, quase sempre, não é feita pelos juízes sozinhos. É feita por um sistema inteiro que aprendeu a lucrar com o tempo — quando o tempo é dos outros.

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